O apartamento cheirava a cigarro, umidade e sardinha em lata. As paredes manchadas desenhavam mapas de locais que ninguém queria visitar. Ele morava ali há alguns meses, desde que decidiu que o amor não sobrevive a falsas promessas e uma coleção de garrafas vazias.
O gato apareceu num sábado, magro, sujo, com um olho meio fechado e a arrogância felina típica dos que já viram o inferno e voltaram. Entrou pela janela como se fosse dono do lugar, o homem olhou, deu um gole na cerveja e disse com indiferença:
— Se você não me pedir nada, pode ficar.
O gato não respondeu, se espojou no sofá rasgado e dormiu como se tivesse pago aluguel.
Eles se entenderam assim, o homem bebia, o gato dormia, as vezes dividiam uma sardinha. O gato miava como se estivesse reclamando da vida, e o homem respondia como se estivesse falando com um velho amigo que nunca soube ouvir.
— A gente é igual, sabia? — ele disse uma noite, olhando pro gato.
— Ninguém quis a gente. Mas aqui, nesse buraco, a gente se tolera. Isso já é mais do que o mundo oferece.
O gato lambeu a pata, indiferente. Mas naquela noite dormiu encostado no pé do homem. E ele, pela primeira vez em meses, não sonhou com o desamor, nem com a conta de luz vencida. Sonhou com um campo aberto, um céu limpo, e um gato correndo livre. Na manhã seguinte, o homem acordou com o gato miando na cara dele e enterrando carinhosamente as unhas em seu peito. Era hora da sardinha.
— Tá bom, parceiro. Vamos viver mais um dia, você é o único que não me pergunta quando vou sair dessa.
O gato lambeu o próprio cu em resposta. Filosófico.
O mundo lá fora continuava girando, cheio de gente com planos, metas, romances e dentes escovados. Ali dentro, só restava o barulho da geladeira vazia e o ronronar ocasional de um gato que sabia que neste mundo não havia glamour nem redenção.
Ambos sabiam que ali existia uma companhia que não cobrava nada quase nada — só um pouco de sardinha e silêncio compartilhado.
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